segunda-feira, 2 de março de 2015

NEM EXISTE


Não sei se foi um sonho, mas ainda há pouco poderia jurar que não há mais ninguém no mundo além de mim. Pensei em te ligar pra irmos juntos na esquina, mas você nem existe. Mesmo assim, em um ato involuntário, estico o braço até o aparelho telefônico que encontra-se sob a mesinha de cabeceira e começo a digitar números de quem eu nem sei. Quando acordei, torci para que a ligação não estivesse sido realizada, mas o telefone tocou no meu primeiro suspiro. Mesmo sem querer preciso encarar meus pesadelos de frente, antes mesmo que a minha fraqueza tome conta de mim outra vez, atendi a ligação. E como quem diz "alô" eu disse "não estou". Minha mente ainda não havia tomado total consciência. Ainda meio sonolenta fui guiada pelo inconsciente. Às vezes, é o inverso: o problema é que sempre confundo um e outro. Acredito ser a mesma coisa, e quando percebo, tento restabelecer contato comigo mesma. Algumas pessoas chamam isso de "lerdeza", outras "distração". Eu prefiro dizer que inventei uma nova maneira de me expressar que ainda não tem tradução para o seu mundo, de modo que ninguém entende o que digo, o que penso, o que escrevo e o que vejo. É que durante esse tempo que não escuto, não vejo, e nem presto muita atenção, parece que o mundo parou, apesar de ao mesmo tempo ainda saber que ele continua girando. Pois bem, agora mesmo estou tentando remotamente escrever sobre algo que talvez não compreenda. Se tudo que há em mim eu conseguisse traduzir em palavras, você não entenderia. Pois, nem mesmo eu consigo suportar tamanha grandeza de entendimento. Uma parte compreendo, a outra é pura ignorância do ser. E para não parecer tão anormal ou indiferente as situações, finjo que entendi, escutei, ou que ao menos prestei um pouco de atenção. Meu receio é que, no meio disso tudo, você nunca compreenda o sentido de estar realmente junto. Se por tantas vezes estive só, mas não sentir a solidão. Ao contrário, os momentos que tive a tal sensação do ser solitário, eu estava rodeada de pessoas que nunca fizeram parte de mim.

Texto: Laila Guedes
*Imagem que ilustra a coluna Traços, riscos e rabiscos.

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