quinta-feira, 15 de abril de 2010

Sitiada pelo medo

A fragilização de um povo, após uma guerra violenta, permitiu o meu nascimento em berços de ódio e rancor. A medida que eu me aproximava, a fumaça preta subia quente deixando meu rosto marcado pelo fim de toda uma civilização. Foram milhões de mortes, e junto aos seus túmulos a minha indignação também fora sepultada. Por inúmeras vezes esquecia o motivo do conflito. O que moveu pessoas de outros lugares a devastar um povo, que jamais conseguiu se reeguer? Um povo melancólico, triste, frio. Viviam fanáticos pelo prazer de ter esperança de um dia ver o sol. O céu era cinza cor de fumaça, a terra seca e pobre, só restava carvalhos. O meu povo não queriam me ver nascer, assim como não queriam me ver sofrer na amarga dores da vida.

Fui exilada, ainda criança, e um senhor me acompanhou durantes anos. Ele era um homem de poucas palavras, me olhava de canto de olho como se quisesse sorrir, mas não tinha esse dom.

Deveria sentir-me envergonhada por gostar de ser refém desta terra, dessa vida? Sentia-me acolhida por um povo caloroso, fervoroso. Um povo alegre e carente, encantado com o divino. Um povo que busca a paz em seus diversos rituais. Um povo que busca ter em quem confiar.


Com o tempo fui obrigada a aprender a não ser eu. Entenda, ele praticamente me obrigou. Eu recebia ordens, e não tinha ninguém, apenas ordens. Não havia mais saída. Me senti encurralada, refém de uma nova vida, de um nova cultura. Sinto uma pena ao vê-lo hoje como o enganado, iludido por pensar que eu sou quem sou, sem querer saber que não sou quem eu sou, e sim quem eu devo ser. Mas ele prometia pôr um fim as minhas angústias.


Em lágrimas eu percebi o que tinha feito durantes anos de minha vida. Eu havia repudiado o que era divino. Eu o neguei, por medo, receio, não sei. Minhas palavras sempre foram ásperas e duras. Talvez por ter sido assolada por um pesado desespero. Meu medo implorou que não o visse mais, como o nunca, o nunca mais. Foi tamanha a força que nunca mais o vi. Desde então vago num vale vazio, sem esperança, sem...


Mesmo sem ele, ainda assim eu tinha o amor. E no vazio foi-se tornando maior, cada vez mais crescente. Olhei, e eis que o vi ao meu lado, grandioso, fogo que ardia, brisa que refrescava, puro e vasto. E eu o encontrei, no canto dos pássaros, ao abrir os olhos, tamanha era a luz, e ali estava ele. Escutei um vento suave soprar... “é dele que estou falando, seu nome é esplendor e seu sobrenome bondade”... A minha tristeza era tão pobre ao vê-lo feliz somente pelo simples fato de viver. Tão pequena eu era diante dele. Foi difícil perceber que caminhávamos de mãos abertas. Mesmo estando ao meu lado não conseguia sentir o calor de suas mãos. Sentia apenas meu suor gelado escorrendo entre meus dedos. Arrepiava-me-ei cada respigo, molhando um vazio de palavras. Que crescia no vazio, que crescia na escuridão. Gritei por sete vezes “acendam a luz, acendam a luz, acendam a luz, acendam a luz, acendam a luz, acendam a luz, acendam a minha luz”...


E o céu se abriu, em imensos raios, veio a chuva. E logo um grande arco de multicores.


Por longas horas, acordei em um quarto fechado, a luz do corredor se apagou, acendeu o medo em mim. Lembrei dos gritos, das perdas, das dores. A imaginação corroia a minha mente, a incerteza me deixava confusa e insegura. Teria sido sonho ou miragem? O medo crescia cada vez que imaginava o estranho, talvez por sempre pensar que o que não se deve ver se manisfesta onde não pode ser visto. O escuro é medo. O movimento, o barulho, a confusão, tudo se move dentro de mim nessa escuridão.


Eu temo a mim mesma? Uma voz persistente de altiva força teimava em se pronunciar dentro de mim. São tantas perguntas que me deixam sonsa, completamente tonta, chego a sentir ânsia de vômito.


Perdi o tempo, a noção de onde e quantas horas estava ali. Ouvia somente pingos fortes quebrando-se no chão encardido. De certo que, o lugar fedia mais no olhar. Nojo, repugnância, novamente sentia uma forte ânsia de vômito.


Por que de uma certa forma eu imaginaria que alguém poderia vim me salvar? Por qual infinita ou até mesmo mínima obrigação esta pessoa teria? Seria eu, somente eu, a responsável por mim mesma? Sim, eu sabia, aliás eu sei. Mas lutava contra. Ele era a única pessoa que eu tinha?


Não, eu só tinha a mim mesma, e só havia me dado conta quando estava no meio da multidão. Carros passando, pessoas gritando, inúmeras mãos, umas com cigarro, outras com copo de café morno. Ali estava eu, no dia e horário marcado. Mas ninguém apareceu. Não vi meu povo, não vi minha gente, nem mesmo o arco luminoso, nem mesmo ele. Abaixei a cabeça lentamente e voltei a ler meu livro "a prisão é o meu lugar"... Esse tempo todo estive no meio da minha guerra, numa explosão que vinha de mim. Fui eliminando cada um, meu rancor, meu ódio, meus medos, meus lamentos, minhas mágoas, minhas frustações, minhas angústias, minhas inseguranças, minhas... meus... foram milhões de mortes. Como tudo aquilo queimava no meu peito. Abri os olhos para ver o sol nascer e meu coração renovado gritou “hoje eu prometo ser quem eu quiser”.