sexta-feira, 31 de maio de 2013

Sem chão 18 - Se eu quiser voar

Se eu quiser voar
Devo cantar a última canção
Devo celebrar o silêncio
Em quietude fazer a minha oração

Se eu quiser voar
Devo me perder, derreter as correntes que eu mesma criei
Dos ouros, jóias, e pompas
Que encantam os tolos

Se eu quiser voar
Devo chicotear, flagelar, sussurrar
Devo chorar todas as dores que tiver que chorar
Abrir os braços e me crucificar 

Se eu quiser voar
Devo furar os pés, punhos e tórax até sangrar
Devo deixar o sangue das minhas veias jorrarem até secar
E caminhar até não sentir mais nada

Se eu quiser voar
Devo cair, rastejar até rasgar
Devo comer lama, penar nas dificuldades
Virar escravo das minhas penas pesadas
Se eu quiser voar
Devo apagar as luzes, e viver na escuridão
Fechar os olhos e sentir a solidão profunda
E despencar no abismo do meu eu

Se eu quiser voar
Devo deixar de ser eu, me esquecer
Devo mergulhar no poço profundo do meu eu
Para tocar a minha própria alma
E então me reconhecer, reencontrar os vivos e os mortos

Se eu quiser voar
Devo me despir de tudo, chorar lágrimas de sangue
Devo soprar as fagulhas do meu âmago 
E então incendiar até virar combustão viva
Labareda, fogo selvagem, pecador, violento

Se eu quiser voar 
Devo queimar no inferno até morrer, sumir, desaparecer
Fechar a porta do meu próprio caixão
Devo deixar de existir
Esquecer as paixões, as razões, as lembranças
Devo sofrer de amnésia crônica
E então dormir em sono profundo

Se eu quiser voar
Devo sucumbir do sopro leve das cinzas
E recriar asas que estalam os ossos da minha alma
Devo amanhecer, renascer
E logo então me redesenhar
Transparente, clara alva, pura

Se eu quiser voar
Devo me jogar, me lançar ao alto
Nas vertigens esplendida do meu ser, mirar o olhar ao alto
Devo tocar os céus dos soberanos 
Ser leve como o ar
E então Voar, voar alto, sem chão


Texto: Laila Guedes