sábado, 8 de fevereiro de 2014

A VERDADE DE MUITOS


Sinto muito, vamos dar um tempo. Depois que alguém te vira às costas, o tempo parece que fica mais longo. Talvez impróprio para quem não aceita ser rejeitado. Se bem que, hoje em dia, quem abandona na verdade é o abandonado.

Da sacada da janela do meu quarto vejo você virar. A lateral do seu rosto tem uma curva longa que acentua o seu nariz pontudo e um pedaço do queixo próximo à boca que tanto beijei, e que forma um doloroso fascínio. À minha frente, você caminha de costas e dezenas de lembranças atormentam a minha mente, confundindo meus sentimentos de um jeito que não consigo raciocinar. Por um minuto fiquei tonta. Uma nuvem preta o cobre por inteiro até você desaparecer por completo.
A área do meu coração é a parte mais devassada do que ficou. Cada recordação, ao contrário dos meus pensamentos e remorsos, não tem razão. Enquanto tento não lembrar de coisas que devo esquecer, posso sentir meu coração bater forte quando finjo não lembrar. Uma batida do primeiro beijo e outra quando fizemos amor. A terceira é a que atormenta mais e passa devastando tudo. Aquela batida de quando você foi embora e me deixou.
Sou tão otimista que sigo esperando um dia te ver, instigada pela possibilidade de um reencontro, mesmo de longe. Em qualquer canto tudo lembra você. Travesseiros entre as pernas, enrolada em lençóis de algodão, o seu cheiro ainda está em mim. Na memória do meu aparelho celular ainda guardo alguns dos poucos retratos. Vestidos longos, curtos, short jeans, biquíni, chapéu de praia, óculos, camisas de malha, jaqueta e roupas de baixo me olham todos os dias que vou tentar vestir.
Sinto que o pouco não é muito nem tão pouco. Possa ser que um dia o muito fique tão pouco ao ponto de ser muito pouco. Eu sei que o muito que te dei foi tão pouco diante do muito que você mereceu ter. Ou talvez não. Mas tenho que confessar que nunca confiei no muito que me deu, tampouco no quase nada que deixou de me dar. Por que o muito não é nem pouco, nem bastante, é muito. Incomoda bem mais por que o muito também não é o necessário, quando eu esperava um pouco mais daquilo que não soube dar. E agora sobrou tão pouco. Eu que já tive muitos homens, mas você foi o único em tantas coisas.
Sabe o que é um tanto, um tanto assim imensurável? Sabe o que é o tempo, o tempo assim tão esperado? Ninguém sabe. Ninguém entende. Somente eu e meus lamentos. Um tanto quanto que poucos sabem.Fico confusa se ainda sei quanto é um tanto que ninguém sabe, que ainda há muito de você dentro de mim.
O que ninguém sabe é o tanto quanto que ainda imaginava te dar. Aquele pedaço de mim que por timidez ou defesa, ou por medo, não soube dar. E que faltava pra me sentir completa. Sabe, estou meio louca. Surtando toda vez que finjo que não lembro, e segundos depois percebo o quanto ainda lembro. Dizem por aí que foi pouco tempo e vai passar.
E o que é o tempo? Se tão pouco é tão pouco para o muito que eu sinto ainda aqui dentro. E o que eu tenho pra te dar é maior e mais valioso que nem se pode contar. Estou tonta novamente. Vejo tudo rodar e sinto que já se foi esse tempo, esse tanto. Mas não consigo aceitar.
Foi quando eu percebi o tanto de tempo que passou. E o tempo agora não passa. Ele se arrasta. Mas, o tempo pode muitas vezes não ter tanta importância assim, caso não o veja passar. Se é um tanto grande, pouco tempo ou tampouco.
E quanto tempo ainda temos para perceber que tem certos tipos de situações que não há solução, exceto deixar para lá. Esquecer… Mesmo que seja puro fingimento. Uma virada de costas, uma perda ou uma ilusão, para poder viver livremente e seguir adiante até reencontrar alguém que nos faça perceber que o que foi tinha que ir, pois nunca foi seu de verdade. Sinto te dizer que a verdade dói, às vezes até corrói, e MUITO.
**Crônica pra o site www.ativarsentidos.com.br
***Ilustração do britânico Carne Griffiths.

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